Once upon a time um casal sentado na sala. Domingão à tarde. Waldemar comia pipoca, coçava o saco, bebia uma cerveja e assistia ao futebol – não necessariamente nesta ordem.
– Odete, traz a gelada pra mim. Vâmo, mulher!
– Ai seu cretino, você não pára de beber! – esbravejou, a passos curtos em direção à cozinha.
– Deixa de fazer corpo mole que eu tô com sede, ô jaburu – devolveu o marido, do alto de sua camisa regata velha e bermuda com uns 13 anos de uso.
Na cozinha, Odete abriu a geladeira e suspirou. Cansada da indelicadeza de Waldemar, olhou para cima e perguntou a Deus se estava viva ou aquela casa já seria a última etapa do purgatório. Resignada, voltou os olhos para o congelador e pôs a mão calejada por seus 47 anos na primeira garrafa disponível.
– O animal ainda bebe Kaiser – murmurou, antes de ser surpreendida por um clarão. Odete tentou gritar, e a mudez instantânea denunciou que vivenciaria algo único.
– Odete, estou aqui para responder à sua pergunta. Já sabe que sou onipresente e onisciente, então por que a surpresa?
Deus gostava de sarcasmo. Quem não ficaria petrificado diante de um clarão anunciando um Senhor com figurino de cinema, túnica, polainas, barbão branco?
Odete permanecia endurecida, sem abrir a boca. Não falava porque lhe faltava o ar, e a vista escurecia. A dor lacinante no peito a colocou de joelhos – daí para o chão foi uma fração de segundos.
Na sala, bêbado e vidrado no futebol, Waldemar permaneceu ignorante à situação. Perdeu os últimos momentos da mulher, agora não mais a seu lado. Enquanto o Framengo atacava, ela vivia (?) os primeiros momentos da troca do inferno pelo céu.
03 outubro 2006
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