13 quilômetros por um sonho
Gérson Batista esteve entre os cerca de 400 meninos que o Cruzeiro atraiu para peneirão
Ele tem nome de craque, veste camiseta de craque e sonha em ser craque. Muita ambição? Gérson Batista, 14 anos e número 11, inscrição Romário às costas, sabe que sonhar não custa nada.E foi em busca da carreira como jogador de futebol que o menino humilde do bairro Rubem Berta percorreu ontem cerca de 13 quilômetros a pé, entre ida e volta, para tentar a sorte no peneirão do juvenil do Cruzeiro, da Segundona gaúcha.
Gérson foi só mais um entre os quase 400 garotos, segundo os organizadores, que se dirigiram ontem à tarde ao modesto Estádio Estrelão, na zona leste da Capital. Apesar da já gasta camiseta da Seleção - original da Copa de 1994, foi presente do pai, João - , o adolescente não se deixou levar pelo nome de centroavante e disputou vaga na lateral-esquerda.
Em 15 minutos (duração do jogo), deixou como impressões bom domínio de bola e velocidade. Prova disso, recebeu convite para voltar segunda-feira, quando haverá nova seleção, já sem os eliminados de ontem.
Sem dúvida, trata-se de motivo de orgulho para Gérson. De origem humilde, teve de abandonar os treinos nas categorias de base do São José, onde fora aprovado em teste, porque a distância do Passo DAreia até sua casa era longa demais para ser percorrida a pé. E passagem de ônibus, mesmo que apenas três vezes por semana, não cabia no orçamento familiar. Lembra a história de Ronaldo, que treinava no São Cristóvão por falta de dinheiro para ir ao Flamengo.
Se tiver sucesso segunda-feira e passar a integrar o juvenil do Cruzeiro, Gérson terá oportunidade de seguir uma tradição do Rubem Berta: a de revelar jogadores, como o meia Anderson, hoje no poderoso Manchester United, da Inglaterra.
Bem-articulado com as palavras, Gérson diz lembrar de Anderson: conta que o craque freqüentava a Escola Municipal de Ensino Fundamental Grande Oriente, a mesma onde o candidato a jogador agora cursa a sexta série. Pena que só possa estudar quando é possível.
- A gente fica alguns dias sem aula por causa dos tiroteios - conta.
Ontem, pelo menos, o garoto pôde esquecer da violência por algumas horas. Verdade que as primeiras transcorreram com ele sentado na laje da arquibancada do Estrelão; no estádio desde as 13h30min, Gérson só foi chamado depois das 16h. Venceu a disputa ferrenha pela atenção do coordenador José Manieto, 74 anos, encarregado de chamar os meninos aleatoriamente. Entre gritos de "eu, eu, eu!" vindos da gurizada, o funcionário ganhou até apelido: Zagallo, em função dos cabelos brancos.
Pois Gérson abandonou a companhia de cinco amigos, todos concorrentes, e do irmão, Jefferson, que só não participou porque nasceu em 1990 - estavam na disputa nascidos em 1991, 92 e 93. Então, desceu da arquibancada, passou por Manieto no portão, cruzou a linha de fundo e a lateral do campo, disse a um funcionário seu nome e posição e esperou na casamata por cerca de meia hora até receber colete, entrar em campo e desempenhar a lateral-esquerda, sua função preferida.
Quinze minutos depois, saiu de campo pelos fundos do pavilhão, calado. Mas com a sensação de dever cumprido.
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