Do aterro para o Beira-Rio
A história da construção do Beira-Rio começa na segunda metade da década de 1950 e conta com um forte componente político _ e, por que não dizer, passional. Sem a astúcia do então governador do Estado, Ildo Meneghetti, talvez o Inter nunca tivesse deixado o velho Estádio dos Eucaliptos, no Menino Deus, e vivenciado uma mobilização popular poucas vezes vista em torno de uma obra.
O pontapé inicial aconteceu em uma reunião entre a velha guarda colorada, capitaneada por Ephraim Pinheiro Cabral, e Meneghetti, ex-presidente e patrono do clube. Os dirigentes o procuraram propondo a desapropriação de uma área atrás dos Eucaliptos, uma rua com um popular cabaré. O governador ouviu tudo e observou que a pequena rua jamais resolveria a falta de espaço. Decidiu, então, contar um segredo:
_ Estou conseguindo com o governo federal dragas que estão na Bahia. Vou aterrar o Guaíba. No fim deste aterro, ficará uma área destinada ao esporte. É para lá que vamos levar o Inter.
A revelação ficou entre Meneghetti e os colorados, entre eles um que não estava presente à reunião: Telmo Thompson Flores, futuro prefeito da Capital e, à época, diretor para a Região Sul do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Ele foi decisivo para trazer o maquinário ao Estado _ a dragagem começou em 1958.
Antes, no entanto, o Inter conseguiu uma verdadeira façanha, desta vez por meio de Ephraim. Como era vereador, apresentou projeto na Câmara de Porto Alegre sugerindo a doação de uma área de 7,5 hectares do aterro ao clube. Depois de muita pressão sobre os colegas, viu seu projeto aprovado em 12 de setembro de 1956. Até aí, tudo bem, não fossem dois detalhes:
1º _ O terreno ainda estava debaixo d'água (a dragagem começaria dois anos depois);
2º _ Como se tratava de uma área no Guaíba, pertencia à União. Quer dizer: por omissão ou desconhecimento, a prefeitura deu ao Inter um terreno que não lhe pertencia. Mais tarde, houve tentativa de contestação por parte do governo federal, que acabou cedendo.
De posse da terra, faltavam a casa colorada e os responsáveis em construí-la. Houve duas comissões de obras, instituídas entre 1961 e 1962, que fracassaram. Pudera: além da dragagem em andamento, faltava dinheiro.
O Beira-Rio só começou a sair do papel a partir da atuação decisiva de Ruy Tedesco, da construtura Tedesco. Ao lado do irmão, João Baptista, ele bolou gratuitamente o projeto do estádio. Depois, participou da terceira comissão de obras, liderada pelo português José Pinheiro Borda e instaurada na virada de 1962 para 1963. Só nesta altura a obra ganhou fôlego _ para se ter uma idéia, a primeira estaca foi fincada ainda na água, em 1959, perto de onde hoje fica o acesso à presidência.
Mas, se havia projeto, faltava capital. A solução mais óbvia apontou para a paixão dos colorados, e funcionou. O clube decidiu vender títulos, cadeiras, fazer sorteios de carros, viajar pelo Interior para captar dinheiro e, claro, apelar para doações. Houve torcedores humildes que levavam um ou dois tijolos e os deixavam no sítio da construção. Outros doavam cimento _ o total utilizado chegou a 130 mil sacos _ e lotavam carroças com material.
Trata-se da parte da mobilização popular, talvez a mais fascinante da história do Beira-Rio. Envolveu gente como o major Vitor Murari, militar reformado. Ele colocou-se à disposição da comissão de obras e recebeu a incumbência de cuidar da segurança da obra. Sua presença significou efetiva prevenção a possíveis sumiços de materiais.
E isso que poucos acreditavam na concretização do estádio. Os gremistas debochavam do que apelidaram de bóia-cativa, ironia ao fato de o Beira-Rio literalmente ainda estar na água _ por vezes, foi preciso proteger o material das cheias do Guaíba.
Mesmo assim, o Inter se virava. Em meio a tijolos, cimento, ferro (1,2 mil tonelada) e água, inaugurou a acanhada Churrascaria Saci no local ocupado hoje pela loja do clube. Havia três funcionários, entre eles o futuro presidente Eraldo Hermann, integrante da comissão de obras e dublê de garçom. De graça, claro. O lucro do espeto-corrido custeava o salário dos operários _ depois da conclusão, 700 pessoas acabaram dispensadas. Ajudava, mas não resolvia. Era fato, os colorados precisavam de dinheiro.
A solução veio de uma simples idéia proposta pelo conselheiro Carlos Alberto Mendes Rocha: multiplicar por 10 o preço das cadeiras perpétuas. Chegou-se a um valor exorbitante para a época e, mesmo assim, todos os mil lugares do setor _ ainda inexistente _ foram vendidos.
Com o dinheiro das perpétuas, o Inter teve fôlego para finalizar e ampliar o projeto original, que previa a arquibancada inferior e um pavilhão, formando uma espécie de ferradura no lado do Gigantinho. Não só fechou o anel inferior como insinuou erguer um terceiro lance sobre a Avenida Padre Cacique e aumentar em 30 mil torcedores a capacidade, idéia posteriormente abandonada. Decidiu-se que 110 mil lugares estavam de bom tamanho.
Com o Gigante pronto, veio a inauguração. Em 6 de março de 1969, dois dias após o 60º aniversário do Inter, 94.584 colorados receberam o Benfica e viram Claudiomiro marcar o primeiro gol do Beira-Rio, abrindo a vitória por 2 a 1. Foi o fecho de um dia ensolarado que se iniciou com foguetório das 6h às 9h, teve todos os tipos de cerimônias diante da mais variada gama de autoridades e terminou com a torcida indo para casa a pé, de carro e de barco _ sim, havia um atracadouro ao lado do estádio. Nada mais justo para o Beira-Rio, afinal.
20 setembro 2010
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