Poucos textos exprimem tão bem o que eu acho sobre futebol quanto este, abaixo. É do inglês John Carlin e saiu na Folha de S. Paulo de hoje. Vale a leitura e serve, também, como reflexão para quem duvida quando eu digo que realmente não dou mais a mínima para esse negócio de torcer.
Enfim, cada um pense o que achar melhor.
OS FUTEBOLISTAS profissionais fazem o que fazem pelo dinheiro. Quem disser que joga por amor à camisa do time é um hipócrita e uma fraude. Não são palavras minhas, mas de Benoit Assou-Ekotto, que joga pelo Tottenham e pela seleção de Camarões. Ao rejeitar o roteiro politicamente correto que os demais jogadores seguem, ele repetiu as mesmas declarações surpreendentes, incomuns e brutalmente honestas em duas entrevistas recentes.
Comentando sua transferência do Lens ao Tottenham, há quatro anos, o herege disse: "Não entendo por que todos mentem. O presidente do meu ex-clube disse que saí pois ganharia mais e que não tinha amor pela camisa. Eu respondi perguntando se existia um jogador no mundo que assinasse com um clube e dissesse: "Eu amo sua camisa! Ela é vermelha, e eu a adoro". Nenhum jogador liga para isso. O primeiro assunto discutido é sempre o dinheiro".
Uma camisa vermelha era o que Wayne Rooney estava preparado para abandonar, substituindo-a pelo azul do Chelsea ou do Manchester City, caso o Manchester United não tivesse cedido à sua demanda de salário de US$ 250 mil semanais. Conforme as negociações avançavam e a posição de Rooney ficava mais clara, os torcedores do United reagiram com indignação, definindo-o como "prostituta".
Quando Rooney, que está lesionado, voltar ao gramado, tentará convencê-los de que tudo resultou de um mal-entendido, e ele faz o que faz por amor, e não dinheiro. E os torcedores, ou boa parte deles, escolherão acreditar.
Estão malucos. Vivem num mundo de fantasia no qual é necessário que se sintam convencidos de que os jogadores têm afeto tão grande quanto o deles pelo time; que suarão sangue pela equipe.
Os jogadores é que são sensatos. Quando alegam amar a camisa do time, estão mentindo, como Assou-Ekotto apontou. Mas, apesar de franco, ele está errado em sua indignação. Nós, torcedores, sentimos uma necessidade desesperada de nos iludirmos e de acreditar que os jogadores são tão dedicados ao time quanto nós. Ser torcedor de futebol é pura emoção. Temos tempo de sobra, no restante de nossas vidas, para pensar de maneira lógica.
"Jogo para ganhar dinheiro", disse Assou-Ekotto, "como todo mundo mais no planeta". Claro. Mas deveria fechar a boca quanto a isso. Ao ser franco demais, ele termina pisoteando os nossos sonhos.
JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País" e autor de "Conquistando o Inimigo", livro que inspirou o filme "Invictus"
02 novembro 2010
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