10 janeiro 2011

Contratamos?

O blog revela, em primeira mão, como sempre.
Depois dos intermináveis impasses envolvendo o destino de Ronaldinho, decidimos entrar na briga. O plural se explica: estou representando minha turma do futebol das terças para contar com Ronaldinho no jogo da noite de amanhã, uma terça, oras.
Ávido por fechar com um reforço tão importante, de imediato fiz contato telefônico com Roberto de Assis, irmão e representante do craque. Enviei mensagens com minhas intenções para cada um dos quatro celulares do procurador.
Passavam-se 23 minutos das 16h desta tarde quente na capital gaúcha quando um bip de mensagem ressoou no meu aparelho. Era Assis, dando sinal de vida por meio de um daqueles números - o de final 0171.
Foi direto como um raio:
- Este jogo seria interessante para o Ronaldo. Qual a propostas de vcs?
Um tanto tomado pelo entusiasmo, já imaginando uma linha de frente mágica composta por Luciano, Gonza e Ronaldinho (eu sou um dos que escolhe os times), repliquei. Meus números:
- Treze jogadores, a R$ 30 por cabeça, mais isenção total no valor da quadra. Churrasco com 10kg de costela e 12 caixas de cerveja após a partida.
A tensão volta a trincar minha espinha após o clique no botão enviar - talvez o clique mais importante da minha vida. Montei sítio ao lado do celular, aguardando um "sim". Dois minutos encerraram a espera. Direto do 0171, o torpedo de Assis:
- Começamos bem. Proposta de acordo. Só um adendo: 30 kg de picanha, 18 de granito, duas ovelhas e a exploração da quadra pelos próximos 250 mil anos.
Estremeci. Parecia um tanto exagerado, difícil de conseguir. Mas sou brasileiro, e brasileiro não desiste nunca. Disquei os dígitos do dono da quadra e, pasmem, o convenci em três minutos de conversa.
Ficou feliz, riu como um garoto. Algo me fez suspeitar de estar falando com um colorado, e o bom-senso tão necessário neste mundo de negócios calou minha boca em nome de um bem maior, a contratação de Ronaldinho.
E eu estava quase conseguindo. Nós. Do jogo das terças.
Estabeleci novo contato com Assis. Ousei. Estourei o orçamento. Em vez de SMS, ligação - sorte que era código 51.
- Assis? Tudo bem?
- Fala, fera!
- Aquela coisinha lá que você queria, eu consegui.
- A picanha?
- Não...
Assis interrompe, irritado:
- A cerveja? Não me vem com Skol, eu quero Colônia.
Modulei o tom de voz e respirei fundo. Seria preciso muito tato para retormar o fio, não inviabilizar a negociação.
- Não, Assis. Falo dos 250 mil anos de exploração da quadra aqui na Zona Norte de Porto Alegre.
- Ahh, claro, claro. Legal, fera, aprecio sua sensibilidade.
E se fez novo silêncio. Parecia interminável. Quarenta e cinco segundos sem palavras (fora algumas em italiano, pronunciadas ao fundo e audíveis na ligação). Arrisquei:
- Bueno, então fechamos, certo. Diz pro Ronaldinho aparecer lá uns 10 minutos antes das onze e meia. Tem que levar o próprio calção e a chuteira de sete.
Assis gargalhou. Senti o drama.
- Ih, parceiro, estamos quase lá. Por mim, até, já estamos lá. Mas falta a liberação dos italianos. Eles complicam horrores. O Galliani está aqui comigo e também curtiu a proposta. Só quer um aditivo.
- Qual? - pergunto, já horrorizado com um possível vexame por falta de créditos no celular.
- Galliani pediu carne. Jantar no rodízio do Tirol. E uma participação no programa da Márcia, no SBT. Gostaria de voltar a ter cabelos, e nesta passagem pelo Brasil descobriu que a produção paga implantes aos participantes...
Bufei de raiva, confesso. Mas jogar com Ronaldinho representaria a consagração, o ápice - e um desejo oculto, o de fazê-lo pular como um peixe para fora do aquário depois de um carrinho meu. Fui sucinto:
- Vou ver, retorno.
Na verdade, tratou-se de nova jogada estrategista. Imediatamente recarreguei os créditos e apelei para todos os contatos possíveis. Meu vasto network resolveu em 35 minutos. Atendi as exigências de Galliani. Ronaldinho voltaria, mesmo, aos gramados gaúchos.
Torno a chamar o celular de final 0171. Assis atende, com alguma demora. Antes do alô, faz ruídos. Parece mastigar uma pizza.
- Faaaala, fera? Fechamos?
Engoli seco, incrédulo.
- Fechamos?
- Você conseguiu as paradas do gringo?
- Consegui.
- Então me passa seu e-mail que encaminho a minuta do contrato. O Ronaldo disse que vai ser uma alegria maravilhosa jogar com vocês.
Transpassados estes trâmites, abro o laptop e acesso o Yahoo. Emoção no mais bruto estado. "Uma mensagem nova" pisca na tela. Receoso como sou, ainda temo por um e-mail do Peixe Urbano com 63% off no tratamento de resíduos na Eros Zaffine.
Nada disso. Assis escreveu. Um arquivo .doc em anexo. Contrato, contrato.
Leio a minuta. Assusta a empolação, com repetidos "outrossim" e "vossa senhoria". Não tanto como a cláusula de 20 milhões de euros de indenização caso o time de Ronaldinho - o de colete, obrigatoriamente - perca. Sem contar 99 anos de concessão da área do Cais Mauá, caso se machuque.
Pensei, pensei, consultei as bases, e todos acharam viável. Ele se paga, foi o que disseram.
Retornei o e-mail a Assis com um "ok" acompanhado de cópia escaneada do contrato, com minha assinatura. Abri uma Sidra Cereser, brindei, festejei, lavei calções, camiseta e meiões. Seria o jogo da minha vida. Até piscar a resposta de Assis.
Corri para o laptop.
- Beleza, fera. Confirmo em seguida. O pessoal do jogo das sete fez uma proposta muito boa, e para jogar duas vezes na mesma noite tem que haver uma compensação condizente com tamanho esforço do meu atleta. Ele já fechou com um pessoal aí pra um pagode às duas, e se não estiver 100% não tem espetáculo, magia, samba...
Deu vontade de chorar, confesso. Ainda assim, segurei a onda. Não respondi. Vou atacar com tudo no começo da tarde desta terça.
Será uma proposta irrecusável, nem que tenha de ceder o gerenciamento dos cadastros do Banricompras ad eternum.
Uma coisa, porém, ficou incomodando: a sensação de, no fim das contas, acabar tomando no auschwitz.
E ter de arrumar alguém pra fechar time em cima da hora.

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