26 novembro 2005

Grana suspeita

Artigo da Financial Times citado no blog do Juca Kfouri. É demorado, mas vale a pena ler.

POR QUE OS RUSSOS ESTÃO LUBRIFICANDO AS RODAS DO FUTEBOL?

Por Simon Kuper 21/10/2005 20h22
Derk Sauer é um pequeno holandês que se transformou em magnata da mídia na Rússia. Sua corporação publica mais de trinta títulos, incluindo a versão russa do periódico feminino Cosmopolitan, a edição local de Playboy e, até recentemente, uma obscura revista sobre futebol.
"Uma revista muito agradável, mas que não vendia", contou-me durante um café-da-manhã em Amsterdã, no mês passado. Então, um dia alguém telefonou se oferecendo para adquirir o periódico, Sauer quis saber porque alguém queria tal coisa. Ele perguntou quem era o comprador. Era, naturalmente, o oligarca Roman Abramovich.
"Esta era sua revista favorita, sua bíblia", empolgou-se Sauer."Um de nossos repórteres foi ao Chelsea para entrevistá-lo, Abramovich abriu um armário e lá estavam todas as edições da revista. Típico de Abramovich: ele apenas queria tê-la."
Caprichos pessoais como este criaram uma nova ordem no futebol. Homens do petróleo - e não apenas os russos - estão dominando o esporte. Este fenômeno vai além de Abramovich no Chelsea. Nos anos 90, as pessoas pensaram que a internet e a TV paga revolucionariam o futebol. Mais tarde, supôs-se que os recursos viriam do extremo oriente. Em vez disso, o capital jorrou tal qual o petróleo.
Duas coisas aconteceram. Primeiro a riqueza natural da Rússia foi vergastada num tipo de liquidação de saldos natalinos; em seguida, o barril de petróleo bruto elevou-se acima de US$60. Juntos, estes dois processos produziram a casta mais rica de cidadãos do planeta em toda a história. Livres para fazer quase tudo que eles quisessem com seu dinheiro, investiram em jogadores de futebol. Aqui estão alguns exemplos:
-A família de Gadaffi (Líbia), que possui uma participação no Juventus, está pagando 240 milhões de euros para anunciar por 10 anos a companhia de petróleo da Líbia, Tamoil, nas camisas do Juventus. É o maior contrato de camisa no futebol.
-Alexei Fedorychev, magnata do fertilizante, jogou por um breve período como reserva para o Dynamo de Moscou. No ano passado ele comprou o Dynamo, adquirindo também o passe de diversos jogadores ocidentais pela maior quantia da história do futebol da Rússia; obteve os direitos de televisão do futebol russo, e em agosto comprou um outro clube, FK Rostov. Sua companhia, Fedcom, também patrocina o AS Monaco, finalista na liga dos campeões em 2004.
-Kia Joorabchian, 34 anos, britânico-iraniano, comprou no ano passado o clube brasileiro Corinthians. Posteriormente, ele adquiriu o passe do atacante argentino Carlos Tevez por US$16 milhões, a maior transferência na história da América do Sul. Acredita-se que Joorabchian seja financiado por seu ex-contato de negócios, o oligarca russo Boris Berezovsky.
-Leonid Fedun, vice-presidente da empresa russa Lukoil, juntamente com outros investidores, adquiriu o Spartak de Moscou. O clube moscovita comprou seu próprio atacante argentino, Fernando Cavenaghi, por 11 milhões de euros.
-No próximo ano o Arsenal receberá seu novo estádio de 60.000 lugares, batizado de Emirates Stadium. A companhia aérea dos Emirados Árabes, país rico em petróleo, paga 100 milhões de libras para exibir durante 15 anos sua marca na publicidade do estádio e nas camisas do Arsenal. Esta é a única esperança deste clube para seguir os passos do Chelsea, igualmente beneficiado pelo petróleo.
-Arkady Gaidamak, um bilionário russo-franco-israelita-angolano, comprou o clube Beitar Jerusalem em agosto. Ele tem ainda que acertar a contratação das estrelas do time.
-O mini-oligarca lituano Vladmir Romanov comprou o Hearts da Escócia. Romanov contratou alguns atletas novos e a equipe está liderando atualmente a liga escocesa. Nenhum outro clube escocês à exceção de Rangers e do Celtic ganhou o título em 20 anos.
-Até em Angola, companhias de petróleo patrocinam grandes clubes.
-Enquanto a Liga Norte-Americana de Hóquei estava em greve, alguns dos melhores atletas do esporte no mundo mudaram-se para as cidades provincianas de Omsk e Kazan, na Rússia. Os clubes locais, financiados por oligarcas, podem provavelmente combinar em pequena escala os capitais de franquias de times da NHL (National Hockey League) aos seus dólares.
-Massimo Moratti, empresário italiano de refinarias de petróleo, continua a fazer movimentações financeiras para levar a Inter de Milão às conquistas.
A pergunta é por que estes magnatas estão derramando seu dinheiros em sacos sem fundo? Eles certamente não estão fazendo isso por diversão. O escritor George Orwell observou certa vez sobre um personagem de Charles Dickens: Sr. Jarndyce – que ninguém que tivesse despendido tanto esforço fazendo sua fortuna a daria assim tão facilmente. É natural especular que os oligarcas têm alguma intenção obscura.
Uma revista holandesa causou agitação por alegar que os clubes do país organizaram uma rede mundial de lavagem de dinheiro. Entretanto, isso parece improvável: os bilionários usariam uma indústria excessivamente exposta para lavagem apenas de alguns milhões.
É possível que alguns deles estejam comprando a amizade de um país ao adquirir um clube. Gaidamak, para quem a França emitiu um mandado de prisão, parece acreditar que pode proteger seu futuro ao se tornar um proeminente cidadão israelense. Abramovich pode ter motivos semelhantes no Reino Unido, seu velho companheiro Vladmir Putin algum dia se cansaria dele. E os Gadaffis poderiam usar a amizade italiana em caso de nova crise com os Estados Unidos.
Entretanto, Sauer acredita que a motivação é mais simples. Ele vive em um subúrbio de classe alta de Moscou, onde seu filho joga futebol com o filho de Abramovich, e depois de 16 anos de Rússia, ele é uma antropólogo da tribo dos oligarcas. Sauer explica: “estas pessoas têm dinheiro mas não têm o status, assim o que você faz? Você tenta adquirir o status. Nos Estados Unidos, na década de 1920, havia magnatas que fizeram exatamente o mesmo. Compraram jornais, entraram para o ramo das artes, esse tipo de coisa.”
“Agora todos os russos estão tentando sair do negócio. Esta é a grande tendência. Abramovich apenas vendeu sua companhia, Sibneft, para a Gazprom. Para muitos dos oligarcas, é o fim. Eles perderão suas companhias de um jeito ou de outro. Assim estão tentando tirar tanto dinheiro quanto possível e, então, colocá-lo no futebol.” Esta é uma continuação natural de suas carreiras: além do seu primeiro milhão, todo o negócio é uma questão de status. Os oligarcas italianos têm competido há bastante tempo por status através do futebol. Agora os russos os estão imitando.
Em maio de 2006, o Chelsea poderá se tornar o primeiro campeão europeu financiado pelo petróleo. Outros clubes o seguirão, mas provavelmente não os russos. O futebol russo talvez nunca atinja qualquer coisa, pois poucas crianças russas praticam futebol.
Sauer é presidente da liga da mocidade de futebol russo. Seu problema está em encontrar algum lugar para jogar. Atualmente a liga aluga um par de “velhos canteiros de repolho” do Dynamo de Moscou por cerca de US$ 30.000 anuais. Sauer disse: “eu escrevi para Abramovich, perguntando se, entre os milhões que ele gasta no Chelsea, ele poderia financiar um pequeno campo de esportes para as crianças moscovitas.”
Naturalmente não houve nenhuma resposta.

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