20 fevereiro 2008

CAPÍTULO 5

O monsenhor perdeu as palavras, para não dizer que o gato as comeu. O que dizer diante de um bichano que fala? Seria a tal intervenção do demônio, é claro. Diante da expressão agora assustada do religioso, Rivald novamente tomou a iniciativa.
– Monsenhor, algo grave está diante de acontecer – anunciou, tom grave.
Rivald, então, parou em frente ao monsenhor, sentado, patas dianteiras grudadas e rabo imóvel. Estava nervoso, pois quem garante a segurança de um gato falante? Nestes tempos ainda sem lei, talvez a melhor opção seria eliminar um animal com esta característica a fim de evitar rebeliões populares ou que algum aproveitador transformasse o fenômeno em catalisador de uma nova religião, ordem ou o diabo a quatro. Ah, nunca seria demais descartar a alternativa pecuniária, na qual Rivald conheceria toda a França a tiracolo de um circo, como O Incrível Gato Negro Falante.
Ocupado em sua elucubrações, Rivald por instantes perdeu o foco no monsenhor. Só voltou à realidade ao ouvir uma pergunta:
– O que está para acontecer?
Rivald suspirou, sem antes sanar uma dúvida pessoal:
– O senhor acredita em gatos que falam?
– Se vejo um à minha frente e julgo não estar louco, como não estou, é porque gatos realmente falam.
– Hmmm. Pois é, sabe que faz pouco tempo que descobri este dom? Gosto da minha voz. Tenho gasto o tempo, inclusive, cantarolando canções. O senhor não sabe, mas...
Visivelmente irritado, o monsenhor deu um murro na escrivaninha. Se o gato aparecera para contar algo importante, que o fizesse! Nada de desperdiçar tempo com amenidades.
Rivald entendeu a indireta, numa prova de que a linguagem não verbal é amplamente dominada pelos animais. Pôs-se, então, a contar sobre Gott, o número 84, os hábitos do suposto assassino, os planos futuros, enfim, tudo tal e qual escutara no minuto e meio. O monsenhor expressou concentração e, ao final do relato, ordenou com a mão que o gato permanecesse onde estava. O religioso levantou, espiou todos os cantos da sala, saiu e voltou 40 segundos mais tarde.
Decididamente, não havia ventríloquo por perto. O gato falava. E parecia dizer a verdade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Melhorou. A fina ironia do 5º capítulo tornou mais palatável o fenômeno felino.Pode sair da Record e tentar uma minissérie na Globo em horário pós-Big Brother, quando os obtusos já foram dormir.