24 fevereiro 2008

CAPÍTULO 6

Ao sentar novamente após voltar à sala, o monsenhor colocou os cotovelos sobre a escrivaninha e dedicou um minuto a conjecturas. Olhava vazio em um ponto da parede, indiferente à presença de Rivald, ainda parado no chão, rabo balançando e olhos vivos, alertas. Ninguém seria louco de duvidar da perspicácia do gato, e justamente aí concentrava-se o esforço do monsenhor: como ajudar na cobertura a Gott se o próprio dava bandeira, ainda que para animais aparentemente indefesos?
Rivald permanecia na mesma posição. Por sorte, a imobilidade dizia respeito apenas ao corpo: quanto aos neurônios, a atividade era tal a ponto de produzir energia para iluminar parte da Paris da era pré-imigração africana (se a eletricidade já existisse, claro). Como um animal originalmente não conta com recursos de comunicação por meio de vocabulário, apenas miados e grunhidos, a natureza tratou de disponibilizar outros tipos de acessórios, tais como olfato e audição aguçados. E essa seria a ruína do monsenhor.
Como em uma espécie de sexto-sentido, Rivald farejou algo errado. Presumiu, claro, que a melhor opção seria fingir-se crente ao monsenhor, sem levantar suspeitas. O homem continuava postado e com o tal olhar fixo no nada, apesar de suar e respirar mais rápido, mesmo que discretamente. O bichano, então, quebrou o gelo:
– O que acontecerá agora?
Pego de susto, o monsenhor respondeu:
– Por enquanto, nada. Preciso investigar suas denúncias.
– Existe algo que o senhor pretende que eu faça?
– Fora sumir da minha frente e ficar de bico fechado? Não.
Rivald tomou o comportamento do monsenhor como atestado probatório. Ele e Gott, sem dúvida, eram assassinos. Talvez até o tornassem o número 84, emprestando mais alguns momentos de vida à vítima agendada para a noite.
Havia, pelo menos, outra certeza: os gatos, por vezes, conseguiam ser mais inteligentes do que os humanos, ou o que explicaria o comportamente estúpido do monsenhor? Instantes atrás, mostrara-se um verdadeiro animal, na pior acepção da palavra.
Rivald, o esperto, despediu-se do monsenhor já com o próximo lance na cabeça: atravessar o mosteiro e ir à cozinha à caça de sua amiga Petit. Numa hora dessas, o melhor amigo do gato só pode ser outro gato.

Um comentário:

Anônimo disse...

le petit, la petite...